Fichamento: Reflexões sobre a trajetória da educação popular no Brasil
Santos, M. V. D. dos; Lima, M. F. C.; Gouvêa, F. C. F. Reflexões sobre a trajetória da educação popular no Brasil . Revista Ensaios e Pesquisa em Educação e Cultura – 2017.2 / vol. 03.
“(…) Paulo Freire. Um intelectual do seu tempo, mas com um legado muito atual, sempre entendeu a educação a partir de uma reflexão acerca do próprio homem, enquanto ser inacabado, inconcluso, incompleto, em busca de aprendizagem e educação. (…)” (p. 2)
“A educação popular não pode ser confundida com a educação do povo, que dedica-se a trazer às classes populares ensinamentos que os deixarão cada vez mais submissos na condição de trabalhadores em dominação. A educação popular se dá com e para as classes populares, visando torná-las autônomas e ativas na escolha do seu futuro. (…)" (p. 2)
“A beleza do pensamento freiriano é considerar que todos, independentemente de classe social, cor ou credo, têm cultura. Não existe pessoa sem cultura, sem riqueza cultural. Um dos maiores problemas da instituição escolar é negligenciar essa riqueza cultural dos alunos, ao invés de incorporá-la. Hoje, a importância do conceito (e da prática) de cultura nas escolas é imenso, porém não é incomum pensar a cultura como pertencimento, identidade de um grupo, algo que represente certa alteridade.” (p. 3)
“Segundo Beisiegel (1989), a educação de base era considerada um processo educativo indispensável para o domínio da cultura de seu tempo. Para isso, fazia-se necessário que o indivíduo dominasse algumas técnicas que facilitassem esse acesso à cultura, como a leitura, a escrita, a aritmética, noções de ciências, de vida social, de civismo e de higiene. A educação de base era responsável pelo ensino de tais habilidades que iriam proporcionar um melhor desenvolvimento e ajustamento social aos homens. (...)” (p. 4)
“(…) À medida que o Brasil se preocupava e buscava um progresso econômico e social, tornava-se necessário repensar essa educação de base a fim de que as políticas educacionais abordassem para além da alfabetização. A população precisava de um ajustamento social, ou seja, buscava-se a adaptação dos desfavorecidos ao mundo moderno numa sociedade capitalista.” (p.5)
“Na década de 1950, educadores iniciaram um debate sobre a Educação de Adolescentes e Adultos, inclusive com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - (UNESCO). Dentre as questões problematizadas estava a ideia de educação desse público como somente uma transmissão de conteúdo. Os profissionais da educação começaram a se questionar quanto ao enfoque de seu trabalho; para esses educadores, uma educação destinada às camadas populares não poderia ficar presa somente à transmissão de conteúdo, pensava-se na formação de pessoas críticas, conscientes (PEREIRA; PEREIRA, 2010).” (p.5)
“O pensamento de Paulo Freire atraiu vários adeptos - educadores, intelectuais, estudantes, líderes comunitários de todo o país - em prol de uma educação popular que preconizava a alfabetização e a conscientização de todos. Nesse período, várias foram as mobilizações em prol da educação popular; além disso, a população iniciou uma luta contra a visão preconceituosa em relação ao analfabeto que, na época, era comparado a um ser incapaz, deficiente.” (p. 6)
“Dentre os referidos movimentos, destacamos o Movimento de Cultura Popular de Recife (MCP), fundado por Paulo Freire e seus colaboradores. Esse movimento tinha a intenção de levar a todas as pessoas a cultura produzida pelo povo. O MCP pretendia trabalhar com educação e cultura populares. Mais do que levar a cultura, pretendia resgatar nas pessoas o seu potencial criador. Reafirmava, na prática, que todo ser humano produz cultura na sua relação com o outro e com o mundo (BEISIEGEL, 1989).” (p. 6)
“(…) Assim, a educação popular não tem origem em uma única fonte social, mas vem de um leque de ideias e ações não tão centralizadas. Portanto, educação e cultura são instrumentos essenciais para a transformação social, pensados e praticados a partir das condições das populações subalternizadas e da visão de mundo das classes populares. (...)” (p. 7)
“Para Freire, a educação popular seria um espaço em que o homem ultrapassaria sua situação de homem-objeto a de homem sujeito-histórico transformador. O que se pretendia era a construção de um projeto político que possibilitasse superar a dominação do capital sobre o trabalho e, assim, reformular a forma de organização da sociedade. Esses grupos buscavam uma forma de trabalho que contribuísse para a mobilização e a participação popular.” (p. 7)
“(...) Logo após o golpe militar, iniciou-se o processo de desaparecimento dos grupos de educação popular.” (p. 8)
“Sob forte esquema de controle e tortura, muitas fissuras políticas, sociais e institucionais começaram a aparecer no regime militar, não tendo sido suficientes as mais cruéis perseguições, torturas e mortes provocadas àqueles que contra ele bravamente se levantavam. Movimentos populares de resistência começaram a se fazer presentes no subterrâneo das ações militares e a se espalhar pelo país em forma de guerrilhas armadas e organizações clandestinas (PEREIRA, 2008).” (p. 8)
“(…) Segundo Saviani (1995), podemos afirmar que sob o ponto de vista da organização do campo educacional, a década de 1980 é uma das mais fecundas de nossa história, pois a mobilização desses anos orientou-se pela bandeira de transformar a educação e a escola em instrumentos de reapropriação do saber por parte dos trabalhadores; saber este que viria, mais tarde, a contribuir para uma maior participação na sociedade.” (p. 9)
“(…) uma infinidade de organizações e instrumentos de luta social surgiram e se consolidaram, colocando os trabalhadores do campo e da cidade em melhores condições de disputa de poder na sociedade, fortalecendo-os para que fizessem valer seus interesses frente aos da elite política e econômica (PEREIRA; PEREIRA, 2010).” (p. 9)
“(…) É quando as diferentes nomenclaturas – educação de base, educação de adultos, educação popular – unem-se em busca de uma denominação comum: EDUCAÇÃO POPULAR. O fim da ditadura militar representou um “redespertar dos movimentos sociais” e uma disputa entre projetos de reestruturação política, econômica, social e educacional. Assim, surge, por exemplo, na região sudeste, o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), buscando garantir o direito à alfabetização e à formação de cidadãos conscientes em busca de uma transformação social. (p. 9)
“(…) Com os movimentos sociais enfraquecidos, a educação popular viveu consequências no interior de sua prática cotidiana. Muitos educadores populares também passaram a se questionar sobre a viabilidade de transformação da sociedade. Muitos, inclusive, foram capturados pela lógica do mercado, entregando-se a uma visão fatalista da história. As desigualdades passaram a ser encaradas como naturais; o sucesso (ou insucesso) provém, exclusivamente, das habilidades físicas e mentais dos indivíduos.” (p. 10)
“As demandas populares nascem de uma carência da sociedade ou ausência do Estado em questões centrais, ocasionando uma pressão aos poderes públicos. Elas vão muito além de políticas públicas de qualidade, mas retratam o descontentamento com o governo, o repúdio à corrupção e ao desvio de recursos públicos, principalmente da educação. Tudo isso perpassa o forte desejo intrínseco de buscarem sua própria identidade, serem protagonistas da sua própria história e não marionetes nas mãos dos poderosos.” (p. 11)
“(…) A educação pública é um direito assegurado pelo Estado, porém, quando se paga por ela, passa a ser um serviço. A educação enquanto direito traz em si responsabilidades: é um dever do Estado e da família (educa para a vida em sociedade, dando responsabilidades) e será promovida e incentivada pela sociedade, visando ao pleno desenvolvimento humano e ao seu preparo para o exercício da cidadania e do trabalho.” (p. 11)
“A educação popular baseia-se na dialogicidade, na prática de escutar, refletir e engajar-se na causa. Se faz popular pelo potencial organizacional da classe trabalhadora, contestando o sistema político e econômico vigentes. Visa transformar o sujeito em ser político, como participante ativo de sua história e do mundo como um todo, com autonomia e responsabilidade na organização de um projeto coletivo de sociedade. Trata-se de recuperar a humanidade que foi roubada, ou mesmo negada, através da educação.” (p. 12)
“É notória a atual luta dos educadores(as) em prol de uma educação pública de qualidade, democratizando não somente o ensino, mas também a estrutura social, a mentalidade da classe dominante e todas as relações pedagógicas e processos educacionais imbricados na escola. A educação popular vem, mais do que como uma perspectiva educativa, mas como uma proposta política da classe trabalhadora. É um fenômeno centenário articulado com a luta pela democracia, pelo acesso à cultura e à participação popular ativa.” (p. 13)
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